Chama Acesa

 

 

 

            - Seu troco! Obrigada e volte sempre!

            - Puxa, que distração a minha! Vim para comprar uma vela, acabei comprando metade do supermercado e já estava esquecendo a vela… Vou buscá-la…

             - Fique à vontade!

            - Deixe-me ver… Acho melhor levar um maço inteiro. O que você acha, mocinha?

            - Eu?!

            - Deixe para lá! Já decidi! Vou levar uma vela de sete dias! Ponha na minha conta!

***

 

            Vinte minutos depois:

            - Viu só, meu Santinho querido!? Aqui está a vela que eu lhe prometi. Vou acender… Pronto! Hã?? Ah, eu não havia prometido nada?! Pois estou prometendo agora… Ai, meu Santinho, faz o Maurão se apaixonar por mim… Como “que Maurão”?! O Maurão… Aquele “morenaço” de dois metros… Ah, eu sabia que o Senhor se lembraria! Eu preciso muito da sua ajuda para conquistar o Maurão… Eu jurei para a Samanta que roubaria o Maurão dela… Sabe como é... Jurar em falso é pecado e eu detesto o calor… Não me acostumaria com o inferno… O quê? Ah, roubar também é pecado?! Tem razão, Santinho, mas ninguém é de ferro, não é mesmo?! Ah, me ajuda, vai… Não lhe custa nada…

            Dlim, dlom…

            - Essa não! Eu não vou parar agora! E aí, Santinho, vai ou não vai me ajudar a conquistar o Maurão? Ainda não sabe??

            Dlim, dlom…

            - Mas que coisa! Esta campainha outra vez! Dá licença, Santinho, que eu volto já… Quem é?

            - Sou eu!

            - Eu quem?

            - Como “quem”?! O Maurão!

            - O Maurão?! Ah, eu sabia, Santinho! O Senhor não iria me abandonar… Que eficiência, hem!? Gostei de ver! Vou apagar a vela para economizar... Digo... Para ele não perceber nada, certo!?

***

 

Três meses depois:

- O que está acontecendo aqui?

- Ô, Maurão, então você não se lembra?

- Não me lembro do quê? Por acaso me esqueci de pagar a conta da luz?

- Não, Maurão, é um jantar à luz de velas…

- Velas?! Mas eu só estou vendo uma única vela…

- É um jantar à luz de vela, pronto!

- Para quê, hem?

- Como “para quê”?! Para comemorar nossos dois meses de casados…

- Eu sabia… Eu sabia! Estava apenas lhe testando.

- Sei…

- E precisa de toda esta frescura? Nem cozinhar direito você sabe!

            - Pois saiba que meu jantar à luz de vela não é nenhuma frescura! Passei a tarde toda no fogão.

            - Que perda de tempo…

            - Como assim?

            - Tanto tempo para preparar “isto”! Ah, que falta faz a minha mãe… Aquela sim sabe preparar um jantar como ninguém… Com vela ou sem vela!

            - Maurão, por que você não se casou com a sua mãe, então?

            - Porque ela já era casada com o meu pai…

            - Coma e cale a boca, antes que eu faça você engolir a vela!

            - Talvez a vela tenha um gosto melhor do que “isto” que você chama de jantar… Por falar em vela, não tinha uma vela melhor, não?

            - Não, Maurão! E acabou o jantar, e acabou a luz da vela!

            - Ei, aonde você vai com a comida?

            - Vá comer na casa da bruaca velha da sua mãe!

            - Está bem… Mas veja se pelo menos você acende a luz porque eu não estou conseguindo achar a chave do carro.

***

 

            Quatro meses depois:

            - Parabéns para você… Nesta data querida… E para o Maurão: nada?! Tudo!! Então como é que é? É pique! É pique! É pique! É pique; é pique; é pique! Viva o Mau… Que foi, hem, Maurão? Não gostou do bolo que eu fiz?

            - Gostei, né... Já que não tem coisa melhor…

            Ela faz cara de “Então?”. Ele parece que entende a cara dela:

            - Então que, até hoje, meu aniversário sempre teve um bolo da minha mãe…

            Ela faz cara de “E daí?”. Ele parece que novamente entende a cara dela:

            - E daí que sempre teve pelo menos uma vela no bolo… Você entende, não é!?

            Ela faz primeiro a cara de “Mas que bobalhão… Então era isso…” e depois faz a cara de “Vou dar um jeitinho nisso”. Ele entende e faz primeiro a cara de “Bobalhão é a…!”, e depois a cara de “O que será que ela vai fazer?”.

            - Pronto, Maurão! Aqui tem uma vela pra você! Parabéns para o Maurão; nesta data queri… O que foi agora? Que cara é essa?

            - Puxa vida! Você nem para comprar uma vela para comemorar o aniversário do seu marido… Esta vela está usada! Aliás, é a segunda vez…

- Terceira!

- Tem certeza?

- Absoluta!

            - Que seja! É a terceira vez que você acende esta mesma vela… Assim não dá… Minha mãe nunca deixou…

            - Acho melhor você parar de falar na bruaca velha da sua mãe e apagar logo esta droga de vela, que eu estou perdendo minha paciência com você!

            - Está bem… Está bem… Mas, pelo menos, veja se não desafina na hora de cantar parabéns!

            - Apague a vela logo, antes que eu enfie o bolo na sua cara!

***

 

            Seis meses depois:

- O que vamos comemorar hoje?

- Por que, Maurão?

            - Está tudo escuro. Não consigo ver nada! Não é outro daqueles seus jantares à luz de vela, é?

- Não! Desta vez você esqueceu-se de pagar a conta da luz!

- Tem certeza?

- Tenho…

- Mas que coisa, não!?

- Não fique aí parado, Maurão! A vela está na gaveta da cômoda.

- E?

- Vá pegá-la!

            - Mas eu não consigo ver nada…

            - Azar é o seu! Não se esqueceu de pagar a conta?! Agora procure a vela…

            - Tudo eu… Tudo eu! Mas que droga… Onde está aquela maldita vela? Minha mãe sempre anda com uma vela no bolso…

            - Maurão, eu não sou a bruaca velha da sua mãe…

            - Eu sei! Que pena… Ah! Achei a maldita vela!

            - Agora vá pegar o fósforo!

            - Você deve estar brincando…

            - Está lá na cozinha!

            - Mas eu mal conheço a cozinha!

            - E eu com isso?

            - Maldição! Ai! Tum… Ui! Achei! Ah, agora está bem melhor…

            - Por que você não trouxe a caixa de fósforos?

            - Porque eu usei o último palito!

            - Quer dizer que se a vela apagar, não teremos como acendê-la novamente?

            - Exato! A… A… A…

            - Não, Maurão! Não faça iss…

            - Atchimmm!!!

- Eu sabia que você iria aprontar das suas, Maurão…

- Eu sou alérgico a este seu perfume barato!

- Foi você quem me deu esse perfume de presente, lembra?! E agora, Maurão?

            - A culpa é toda sua… Minha mãe nunca deixou faltar fósforos em casa.

            - Sabe, Maurão, eu estava pensando… Você tem muita sorte por eu não estar enxergando absolutamente nada.

            - Ah, é?! Por quê?

            - Porque senão eu iria agora mesmo lhe quebrar um vaso nesta sua cabeça estúpida!

            - Ah…

***

 

Oito meses depois:

- Quer fazer a gentileza de sair de cima do meu pé?

- Esse aí é o seu pé?

- Claro, seu imbecil!

            - Ah, eu pensei que fosse o tapete…

            - Pare de falar e procure uma vela em alguma gaveta!

            - Ué, não viemos roubar dinheiro e jóias?

            - Viemos, imbecil! Mas já que você fez o favor de se esquecer de trazer a lanterna, precisamos de uma vela para poder ver alguma coisa.

            - Ah, bom! Você é esperto mesmo…

            - Agora procure! Vá…

            - Cicatriz?

            - O que foi desta vez, imbecil?

            - Não estou vendo nada…

            - Grande novidade!

- Posso acender a luz pra procurar a tal vela?

- Claro que não, imbecil!

- Ora, e por que não?

- Porque eu sou alérgico à luz elétrica, imbecil!

- Puxa! Amigos há tanto tempo e só agora você me fala isso…

- Quer ficar quieto e procurar a maldita vela?

 

- Maurão?

- Hum…

- “Ô”, Maurão! Não está ouvindo?

- Hum?

- Tem alguém na sala…

- Hum…

            - Quer tirar essa sua cara de palerma do travesseiro e prestar atenção?! E se for um ladrão?

            - Hum?? O quê??

            - Psiu! Fale baixo! Um ladrão…

            - Você não está querendo que eu vá até lá, não é?! Minha mãe…

- Pode deixar, panaca! Eu vou!

- Hum...

 

            - Que droga de marido eu fui arru...? Mas o que significa isto aqui?

            - Xi, Cicatriz! Ela acendeu a luz!

            - Quieto, imbecil! Aí, dona, isto aqui é um assalto! Uma palavra e eu “meto bala”!

            - Posso dizer só uma coisa?

            - O que foi, dona?

            - Já que acendi a luz, que tal você apagar a minha vela?

            - Tem razão, dona!

            - Mas e sua alergia, Cicatriz? Ela acendeu a luz...

            - Já mandei você ficar quieto, imbecil! Mais uma palavra, dona, e eu “meto bala”!

            - Mas o que está acontecendo aí? Por que você não vem dormir e para com tanto barulho? Amanhã eu tenho que acordar cedo e…

            - Psiuuuu… Maurão!

            - Psiu, por quê? Será que eu não posso falar nem na minha própria casa?! Mas em que mundo nós esta…

            - Aí, amigo, isto é um assalto! Mais uma palavra e eu “meto bala”!

- AAAAAAH! Socoooorro! Mamãe! Polí…

            Pum!

***

 

            Cinco horas depois:

            (Suspiro…). (Outro suspiro…). (Mais um suspiro…). “O Maurão tinha que abrir a boca?! Pobre, Maurão… Pobre da bruaca velha da mãe do Maurão… Pobre de mim…” (Suspiro outra vez…). “Espere aí! Eu nem amava mais aquele panaca mesmo… Estou livre! Livre! Livre… Que maravilha! Melhor eu ir ao velório, senão o que as pessoas poderão pensar de mim?! Onde está mesmo a minha vela? Ah, aqui está ela! A Samanta vai morrer de inveja quando me vir ao lado do caixão do Maurão com uma vela na mão!”

            No velório:

            “Ah… Olhe só o Maurão com a mesma cara de palerma de sempre… Aquele sorriso bobo… E eu aqui queimando minha vela à toa com ele! Que desperdício! Ei! O que será de mim se minha vela acabar?! Ainda faltam três centímetros e meio para derreter… Eu ainda poderia acendê-la pela... Pela... Deixe-me ver... Pela sétima vez! Este pedacinho é suficiente para conversar com meu Santinho, afinal, eu não resisto ao charme do Pedrão… Acho que ninguém vai perceber se eu apagar a vela agora… É um, é dois e é três:”

            - Fuuuuuuu…